Um pouco de história…

O seu nome reveste-se de mistério. Segundo a lenda terá sido uma herança remota de uma princesa moura.
Os inúmeros vestígios arqueológicos ilustram uma longa história, ainda que pouco documentada. Os campos em redor revelam ao visitante testemunhos diversos, da presença romana às sepulturas escavadas na rocha, passando por um interessante conjunto de equipamentos rurais desactivados, entre os quais um lagar de azeite, fornos de telha e muros apiários.

A aldeia em si é detentora de uma carga patrimonial notável, tanto a nível material, como imaterial.

As árvores marcam a paisagem, com uma densa cintura de montado, hortas, pomares e olivais, a que se somam os jardins das velhas casas abastadas, com espécies diversas, que conferem uma nota exótica ao conjunto.

Na malha urbana densa e sinuosa, os motivos de interesse são muitos: a antiga Câmara setecentista; os solares e mansões que, do século XVII ao século XX apresentam várias referências estilísticas, incluindo um pequeno chalet que se esconde entre o arvoredo dos arredores da aldeia, eco tardio do romantismo de oitocentos, raro na região; a arquitetura popular, que se destaca pela riqueza da decoração das cantarias, com molduras de portas e janelas em fachadas cuidadas, algumas de estilo manuelino.

O domínio do sagrado merece aqui uma menção particular, pois a ele se deve muito do carácter peculiar de São Miguel. Um bom ponto de partida é a Senhora do Miradouro, cuja capela é representativa de uma tipologia arquitetónica comum nesta aldeia. À exceção da já demolida Capela de Santo António, todas as capelas têm ou tiveram alpendre (Senhora do Miradouro, Santa Catarina, São Sebastião e São Pedro).

A Igreja Matriz constitui um dos motivos de interesse maior da povoação. Na atual configuração predominam as referências setecentistas, visíveis sobretudo ao nível da fachada e dos portados laterais. No interior, o altar-mor barroco em talha dourada, que supostamente terá vindo da igreja do extinto convento de Santo António de Idanha-a-Nova é razão mais do que suficiente para uma visita.

A este conjunto de espaços liga-se um conjunto de práticas devocionais, ainda hoje muito vivas entre a população. O destaque maior cabe ao ciclo pascal e neste a duas manifestações em particular: a encomendação das almas, entoada por mulheres vestidas de negro na noite das sextas-feiras de Quaresma e o terço pelas ruas, entoado em voz alta por homens que percorrem a aldeia. Testemunho deste apego às marcas de identidade local é o empenho que a comunidade tem posto na sua manutenção. São Miguel d’Acha tem sabido afirmar-se a partir da sua matriz cultural.

Fonte

Uma tarde em São Miguel de Acha

A ponte de São Gens marca a entrada em terras de Idanha e, a breve trecho, nas de São Miguel d’Acha. A EN 233 segue para norte em direcção a esta última, acompanhando a encosta numa sucessão de curvas mais ou menos apertadas, as barreiras de São Miguel.

Para trás, deixamos o amplo vale onde confluem as ribeiras de Alpreade e da Caniça, interessante exemplo da acção do homem sobre a paisagem, com as terras de cultivo a envolver a linha sinuosa das árvores que definem as galerias ripícolas.

As encostas em redor não podiam oferecer maior contraste: se do lado de Oledo observamos o denso arvoredo feito de olivais e montado, de sobro e de azinho, a encosta de São Miguel d’Acha, mais abrupta e pedregosa, mostra um coberto vegetal mais redor e no meio da aldeia. Uma densa cintura de montado, hortas, pomares e olivais, a que se somam os jardins de algumas das velhas casas abastadas, onde palmeiras, tamareiras, magnólias, castanheiros e lilases da índia, araucárias e buganvíleas, muitos deles de porte notável, conferem uma nota exótica ao conjunto.

Os inúmeros vestígios arqueológicos ilustram uma longa história, ainda que pouco documentada. Os resultados desse percurso no tempo não se esgotam na aldeia. Os campos em redor revelam ao visitante atento testemunhos diversos, da presença romana às sepulturas escavadas na rocha, passando por um interessante conjunto de equipamentos rurais desactivados, onde, além da última estrutura perceptível de um lagar de azeite com pia de tracção hidráulica, se destacam os fornos de telha e os muros apiários, reflexos da importância que estas actividades aqui gozaram outrora.

A aldeia em si mesma é detentora de uma carga patrimonial notável, tanto a nível material, como imaterial. As implicações das mudanças registadas ao longo das últimas décadas não foram suficientes para deitar a perder o essencial da configuração urbana ou de velhas práticas culturais, com séculos de existência.

Na Malha urbana densa e sinuosa, os motivos de interesse são muitos: a antiga Câmara setecentista; os solares e mansões que, do século XVII ao século XX apresentam várias referências estilísticas, incluindo os ecos tardios do romantismo de oitocentos, raros na região, do pequeno Chalet que se esconde entre o arvoredo dos arredores da aldeia; a arquitectura popular, que se destaca pela diversidade da decoração das cantarias, de portados e janelas.

O domínio do sagrado merece aqui uma menção particular, pois a eles se deve muito do carácter peculiar de São Miguel se reveste. A começar pelo edificado. Um bom ponto de partida é a Sra. Do Miradouro, à beira da EN 233, junto à pequena ponte de guardas talhadas em cantaria de granito, com forma de assento de espaldar alto. A capela é representativa de uma tipologia arquitectónica comum nesta aldeia.

À excepção da de Sto. António, hoje demolida, todas as capelas daqui têm (Sra. Do Miradouro, Sta. Catarina e São Sebastião) ou tiveram alpendre (São Pedro).

Entre estas, destacam-se a Capela de N. Sra. Do Miradouro, seiscentistas, e a da Sta. Catarina, reconstruída no século XIX, cujo elegante alpendre de seis colunas altas foi lamentavelmente mutilado em tempos recentes, com o roubo de duas delas.

Sob vários aspectos, a Matriz constitui um dos motivos de interesse maior da povoação. Na actual configuração predominam as referências setecentistas, visíveis sobretudo ao nível da fachada e dos portados laterais, cuja composição e gramática decorativa os colocam num programa coevo de intervenções noutros lugares da região, nomeadamente Proença-a-Velha. No interior, o altar-mor barroco em talha dourada, que segundo se crê terá vindo da igreja do extinto convento de Sto. António de Idanha-a-Nova, é razão mais do que suficiente para uma visita.

A este conjunto de espaços liga-se um conjunto de práticas devocionais, ainda hoje muito vivas entre a população, algumas das quais singulares. O destaque maior cabe ao ciclo pascal e neste a duas manifestações em particular, de onde os géneros se excluem mutuamente: a encomendação das almas, entoada por mulheres vestidas de negro na noite das sextas-feiras de Quaresma em pontos altos da aldeia, incluindo a torre da igreja, onde, no final do cântico, tocam os sinos a dobrar como por morte de alguém: e o terço pelas ruas, entoado em voz alta por homens que percorrem a aldeia, parando junto dos oito nichos onde cantam os Passos da Via Sacra.

Testemunho deste apego às marcas de identidade local é o empenho que a comunidade tem posto na sua manutenção. São Miguel d’Acha tem sabido afirmar-se a partir da sua Matriz Cultural. Mistério? Mais um a somar aos muitos que a sua história nos devolve sob a forma rica das lendas que por aqui se contam, a começar pelo próprio nome da aldeia, herança remota de uma princesa moura.

Fonte: Texto de Paulo Longo da revista cultural de Idanha-a-Nova, Adufe 17, Julho/Dezembro 2010